BILL DOG
Ao dar os
primeiros passos em direção a bilheteria do Teatro Municipal Café Pequeno, eu fui
abordada por uma mulher de uns 40 anos. Perguntou-me se eu iria assistir a
peça, com a resposta afirmativa indagou-me se eu não tinha ingresso sobrando. -Não, não tenho. -Estranhei.
Após pegar os
dois convites, ainda permaneci alguns minutos em frente ao teatro. Ali, tive a oportunidade
de presenciar a mesma mulher “atacar” insistentemente todos os que chegavam com
a mesma pergunta.
Os olhares do
porteiro, segurança e bilheteira eram inequívocos: eles estavam tão surpresos
quanto eu com a atitude da desconhecida, que balançava as pernas e cabeça entre
um pedido e outro. O vestido dela de estampa chamativa oscilava a cada
movimento, bem como os cabelos lisos de tamanho mediano.
Sem aguardar o
desfecho, entrei no teatro. O diretor da peça Bill Dog, Guilherme Leme,
gentilmente havia reservado a primeira mesa para mim. Instalei-me ali, para em
seguida solicitar uma tábua de frios – esse é o grande diferencial dos demais
teatros: um bar que serve os espectadores com comidas e bebidas de qualidade e atendimento primoroso dos garçons.
O teatro de quase
arena estava lotado, mas ao término do segundo aviso sonoro vi a figura
estranha adentrar o ambiente. Tinha conseguido seu intento.
O músico
Márcio Tinoco entrou com chapéu, sentando-se com seu violão na cadeira lateral
ao palco. O ator Gustavo Rodrigues apareceu em cena totalmente vestido de
preto: sapatos, calça, camiseta e gabardine. Daí em diante, tudo que se tem de
adjetivos para descrever uma atuação brilhante não preenche o domínio das
técnicas de encenar, a figura eletrizante, os gestos estudados que cumprem a
risca seu papel, os sons emitidos, o suor em profusão, o absoluto controle do texto,
o exato timing de cada fala e
olhares, enquanto Márcio Tinoco toca com seu violão cada marcação da peça.
Genial! Genial
em todos os segmentos quer seja a direção espetacular de Guilherme Leme – que vem
dando banho em sua segunda atividade, pois como ator é referência -, como a atuação
irretocável de Gustavo Rodrigues, além da trilha sonora, iluminação, etc. Ou
seja, uma peça que não se pode deixar de assistir. Não à toa que é um hit cult londrino.
Terminada a
apresentação, público em delírio e em pé aplaudindo. Eis que surge ela, a
criatura entrona, bem em frente a mim. Novamente com espanto a escuto perguntar
se ela poderia comer os frios que haviam sobrado na tábua. Estupefata,
concordei. Testemunhei a mulher engalfinhar-se no salaminho. Assustada com tal
despautério, saí da mesa para cumprimentar e agradecer a Guilherme. No trajeto,
constatei que a sujeita com a boca ainda cheia atracou-se nos salgadinhos que
sobraram de outra mesa, além de pegar um copo meio cheio de vinho e sorvê-lo
com cara de deleite, misturado ao olhar de “pouco se me dá” para os
circundantes.
É, naquele
sábado, 1/9/12, assisti o inusitado. A tresloucada – ou sabidona? – “comer” a
peça Bill Dog, que é uma peça inigualável, a qual eu comi com meus sentidos.
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