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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Inacreditável

Dívida da Varig cresceu 157% durante a recuperação judicial
Administrador recebeu, nos primeiros 13 meses, R$ 2,7 milhões

Uma empresa tem uma dívida em torno de RS 7 bilhões e pede recuperação judicial. Cinco anos depois, não só não se recupera com a administração judicial como fica ainda pior: acumula dívida 157% maior, de R$ 18 bilhões, e tem a falência decretada, sem que a maioria dos credores seja paga. Nesse meio tempo, o administrador judicial, nomeado pela 1ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio, chega a receber da empresa, só pelos primeiros 13 meses de trabalho, RS 2,725 milhões. A empresa em questão é a Varig, cujos cerca de 15 mil ex-funcionários até hoje estão à espera de seus salários e direitos atrasados, enquanto aposentados e pensionistas do fundo de pensão da companhia, o Aerus, estão prestes a ter seus benefícios cortados por falta de recursos.
A empresa, que foi a maior de aviação civil do Brasil, foi uma das primeiras a se beneficiar da Lei de Recuperação Judicial, criada em fevereiro de 2005. Acossada por uma sucessão de problemas — tanto em sua administração quanto na conjuntura econômica do país —, a Viação Aérea Riograndense, a Varig, entrou com pedido de recuperação à Justiça em 17 de junho do mesmo ano. O processo ficou a cargo do juiz Luiz Roberto Ayoub, que, em novembro de 2005, nomeou a Deloitte Touche Tohmatsu Consultores Ltda., empresa global de consultoria, como administradora judicial. Em dezembro do mesmo ano, afastou da gestão a Fundação Ruben Berta, proprietária da Varig.
Pela decisão do juiz, a Deloitte ganhou direito a urna remuneração de 0,2% do valor devido aos credores, o que corresponderia a cerca de R$ 8,4 milhões, considerando urna base de cálculo de RS 4,2 bilhões (excluindo débitos fiscais). Em oficio à 4 Câmara Cível em fevereiro de 2007, a consultoria informa que, em 13 meses como administradora da Varig, já havia retirado R$ 2,725 milhões, dos R$ 8,4 milhões a que tinha direito. Ficou determinado que 50% desse total seriam pagos ao fim do processo. Como essa parte final não foi paga, a Deloitte habilitou na massa falida o crédito do valor que não recebeu.
BALANÇOS TINHAM PROBLEMAS
Mas, segundo relatório de 2010 da Licks Contadores Associados (escritório de contabilidade que assumiu a administração judicial depois da renúncia da Deloitte), ao qual O GLOBO teve acesso, a consultoria não apresentou as documentações devidas.
“Os balanços patrimoniais dos exercícios de 2006, 2007, 2008 e 2009 da empresa S.A. viação Aérea Riograndense não podem ser encerrados porque ainda faltam documentos relacionados às contas de ativo para serem escrituradas", diz o texto do relatório, que afirma também que “os contadores e auditores internos identificaram possíveis erros no Quadro Geral de Credores. ●
Valor da empresa sobe 1.000% em menos de um ano após decisão de juiz
Fundo comprou Varig por US$ 24 milhões e revendeu por US$ 275 milhões
A Varig foi um ativo bastante lucrativo: rendeu mais de 1.000% em menos de um ano. A empresa foi vendida em leilão em 20 de julho de 2006 à VarigLog, subsidiária de transporte de cargas que havia sido vendida à Volo do Brasil, do fundo Matlin Patterson, cujo sócio é o chinês Lap Wai Chan. Foi o único investidor a apresentar propostas, levando a Varig por apenas US$ 24 milhões. Em apresentação pública logo após o leilão, Lap Wai Chan afirma que o juiz da 1ª Vara Empresarial, Luiz Roberto Ayoub, convidou-o a participar do leilão, segundo gravação apresentada durante a CPI da Varig, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), e cuja documentação já foi entregue ao CNJ pelo deputado Paulo Ramos (PDT), que presidiu a comissão:
“(...) Só foi oferecido à VarigLog voltar porque o Ayoub ligou e pediu pra mim, se eu tivesse interesse de voltar e querer dar uma proposta para criar uma nova Varig (sic) disse na ocasião Lap Chan, que mais tarde, em depoimento à CPI, reconheceu a própria voz na gravação, mas negou o convite do juiz.
A decisão mais polêmica de todo o processo, porém, acontece em novembro de 2006: Ayoub declara que não há sucessão trabalhista, ou seja, desobriga os compradores da Varig a pagar as dívidas trabalhistas da Varig, que correspondiam à maior parte dos débitos. Dessa forma, a velha Varig fica com as dívidas e poucos ativos, entre eles um centro de treinamento de aeronautas, na Ilha do Governador, e urna ação tarifária contra o governo em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) estimada em RS 3 bilhões.
A nova Varig fica com os ativos mais valiosos, caso dos slots, que são os horários para pousos e decolagens em diversos aeroportos (a companhia voava para 18 destinos domésticos e internacionais), muito cobiçados no setor, e o Smiles, o programa de milhagem. O resultado da decisão é urna explosão no valor de mercado da Varig, que cresce nada menos do que 1.045%. Em março de 2007, menos de um ano depois de comprar a empresa, Lap Chan a revende por US$ 275 milhões à Gol, que fica com as marcas Varig e Rio Sul, além das operações das empresas.
Em 2010, Ayoub nomeia a Licks Associados, de Gustavo Licks, com honorários antecipados de R$ 3 mil, com novo administrador judicial. Após o relatório de Licks dando conta da grave situação financeira da empresa, é decretada a falência da Varig em 20 de agosto de 2010. Em 10 de novembro do mesmo ano, Jaime Nader Canha é nomeado como gestor judicial, com remuneração mensal de R$ 4 mil. Em maio de 2011, Jaime Canha requer o aumento de seus honorários para R$ 7.950, o que é autorizado por Ayoub. Procurados pelo GLOBO, Jaime Nader Canha, o juiz Ayoub, a Deloitte e o contador Gustavo Licks não quiseram comentar o assunto.
O processo ainda está em andamento e, hoje, as dívidas são estimadas em R$ 20 bilhões.
(Chico Otavio e Liane Thedim) ●
Números
R$ 7 BILHÕES
ERA A DIVIDA INICIAL da Varig, contabilizada em 2005, no pedido de recuperação judicial
R$ 18 BILHÕES
É O VALOR DA DIVIDA que consta no relatório usado como base pela Justiça para decretar a falência da empresa, em 2010. Hoje, o débito total é estimado em R$ 20 bilhões

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