Capa do livro

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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Vamos a luta.

                                                               O Ovo da Serpente

O glamour, o inusitado, os pernoites nas mais lindas cidades do mundo, a hospedagem nos hotéis cinco estrelas, as compras nas melhores lojas, o ótimo salário, a empresa vigorosa adquirindo aviões moderníssimos e inaugurando novas rotas, com serviço de bordo requintado, os colegas sorrindo e prestando atendimento de primeira, os funcionários e famílias viajando no conforto de suas passagens com desconto foram fatos que nos deixaram as melhores lembranças.
Mas o fato que, por certo, jamais esqueceremos foi a nossa total alienação com o destino de nossas caras contribuições ao Fundo de Pensão AERUS, que prometia uma aposentadoria generosa. Simplesmente acreditávamos na lisura da administração das mesmas. E prosseguíamos “voando”. O céu era de brigadeiro... até sermos atingidos pelo míssil da derrocada da Varig. Faltava caviar, limão, açúcar, filtro de café e o próprio café, adoçante, chá e outros quesitos antes colocados a bordo com precisão japonesa e, se não bastasse, os aviões andavam em lastimável estado de conservação, fazendo com que os comissários se virassem nos trinta para arranjar soluções para não espantar de vez os clientes, que ainda insistiam em voar com a Estrela Brasileira. A dedicação era total e inequívoca, tanto dos tripulantes como dos funcionários de terra.
Nem assim, os ingênuos e crédulos funcionários atentaram para a possibilidade de malversação de nosso quinhão contributivo. Enquanto isso, o OVO da SERPENTE se desenvolvia na barriga do Aerus, a Varig não só não mais contribuía com sua parte, mas fazia contratos ilegais com o Fundo, com a aquiescência da Secretaria de Previdência Complementar.
De abril de 2006 até os dias atuais, viu-se o esgarçar das leis em detrimento dos funcionários, a eterna promessa de solução a vista. Enquanto isso, os funcionários foram definhando, adoecendo, morrendo de angústia de promessas não cumpridas. Estamos na beira dos 700.
Entre no cenário do primeiro parágrafo...Felicidade era nosso nome. Agora, com empenho, adentre o segundo parágrafo, absorvendo a desventura. Não basta! É preciso que você saiba que o comportamento covarde dos mandatários do Aerus em não divulgar o que estava sendo urdido não permitiu que soubéssemos a tempo e tomássemos providências para que nosso não patrimônio virasse pó.
Veja com miudeza de detalhes que os funcionários da Varig não perderam somente a “mãe” que os mantinha, mas toda a expectativa de viver com decência seus dias de aposentado. Foi-lhes tirada a esperança. E foram morrendo, como pássaros sem asas, murchando quais flores da morte, com seu cheiro que afasta as pessoas. Qual assunto conversar com amigos quando se tem uma dor infinda? Ninguém quer saber de desgraça. Assim, também os amigos de última hora se afastam, prenunciando um papo chato, ou provável ajuda pecuniária. Claro, pois não há dinheiro para a compra de remédios, tampouco para o plano de saúde e quem sabe até para o mercado.
Sim, fomos alienados por acreditarmos. Mas agora que sabemos o que ocorreu e que ganhamos liminar garantindo que a União é a responsável por nossas aposentadorias e pensões até novo embate jurídico, somos pegos com a notícia que o dinheiro a ser recebido nos próximos dias virá sem o cumprimento de tal liminar, o que fazer?
Somos VELHOS. Isso significa que a juventude não mais habita nosso corpo e a saúde não é companheira confiável. Somos antiquados, desatualizados, obsoletos? No way, somos guerreiros sem elmo e cara machucada de tanto levar porrada. O corpo deteriora, mas nossa garra vai além, porque não somos poucos e tampouco pouco fizemos. Somos os diplomatas do Brasil que precisam largar sua elegância e tomar conta dos prédios governamentais, como fazem os MST da vida. Quem sabe assim o Governo Federal, seus juízes e pares nos enxerguem e façam valer o que nos é de direito.
O Governo optou por ajudar a matar a Varig, colocou o Aerus sob intervenção e fecundou o ovo da serpente.
Se eles mostraram-se monstros, não sabem o monstro que podemos nos tornar.
Agora, leitor, você já tem alguns itens para raciocinar comigo. Somos ou não merecedores do que é nosso?

Nota: A expressão Ovo da Serpente é utilizada como metáfora para exprimir a constatação de um mal em processo de elaboração de incubação. No desenvolvimento do ovo, pode-se acompanhar a lenta e inexorável evolução do monstro que irá nascer.

Cláudia Vasconcelos
Comissária da Varig por trinta anos
Autora do livro Estrela Brasileira
03/09/2012

Um comentário:

  1. Comentário de nosso colega Itacy João Dalle Lucca:Claudia, teu texto é um soco na boca do estômago, de tão verdadeiro. Você, com sua alma cigana poetisa explica didaticamente sem subterfúgios, a realidade dura e cruel que todos nós vivenciamos. Sabe aquela dor no fundo da alma? É isso que teu texto, belamente escrito, nos desperta. Alegria por ler algo tão verdadeiro, tão belo e tristeza porque tudo que está escrito é a mais pura descrição da verdade! Tristes tempos, tristes desgovernos, quanta injustiça! Pelo menos nos resta a esperança de saber que alguns estão expondo, para o mundo ver, com tanta clareza e simplicidade tudo aquilo que passamos. Parabéns e sorte para nós! quem sabe ainda consigamos abortar esta serpente maléfica que está surgindo e criemos uma fênix renascida nas cinzas de nossas desilusões?

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