Capa do livro

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sábado, 12 de março de 2011

SORTE

SORTE

Paralisada em frente à TV, queixo caído e uma dor que me apertava a alma feito alicate a cada nova cena da tragédia japonesa. Assim, fiquei por toda manhã de ontem, não tinha forças para levantar, a tsunami me carregava com ela, em meio aos destroços. A cada casa atingida, as plantações esmeradas sendo engolidas, as estruturas tão sabidamente sólidas eram varridas do mapa feito pipa ao vento. As pessoas tentando fugir, retirando-se às pressas, do cenário de horror, os móveis eram móbiles, os tetos voavam nas asas medonhas da maré enlouquecida.
Os arrepios, os músculos tesos e a cabeça a mil assistindo a terra dos valentes samurais sendo tragada, esmagada pela fúria da natureza. Nada, nem a mais moderna tecnologia, consegue deter o bater dos tambores de Netuno, o deus dos mares que não aliviou em nada a frágil terra dos brinquedos eletrônicos, dos carros perfeitos, da comida de sabor único, das pessoas mais gentis da Terra. Sua excelência em miniaturizar tudo viu o gigante tresloucado atritando rochas submersas se atrever a enfrentar Buda. E, eu ali, inerte, impotente, rezando para os atropelados pelo furor dos terremotos contínuos e das ondas gigantes.
Rezei forte, agradeci a Ícaro, por me saber tantas e tantas vezes no Japão, por força de meu ofício de aeromocinha, e não ter enfrentado, tampouco visto, o rosto desses demônios naturais, a não ser pequenos abalos, tão comuns no dia a dia japonês. Tenho sorte e a desejo em toda sua plenitude a todos os tripulantes, viajantes, moradores da terra do sushi.
O celeiro do Japão foi levado com suas sementes sem dó nem piedade pela enchente ensandecida, mas o tal Tohoku Jishin, o grande vilão, que arrasou parte da terra nipônica, jamais extinguirá a garra japonesa.
Rio, 12/03/2011

4 comentários:

  1. Cláudia, o povo japonês pela sua natureza nao desiste, ter passado por outros terremotos, tsunamis e por duas bombas atômicas, ver suas pricipais cidades arrazadas seguramente será motivacao para reconstruir e curar a dor
    Tenho muitos amigos dos tempos da RG e estou preocupados com eles.
    Luiz Marcelino

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  2. Sincero, comovido e comovente esse teu texto, Cláudia. Certamente os irmãos japoneses terão sentido um refrigério no seu sofrimento.

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  3. Raul, vc sempre gentil em comentar meus textos. Obrigada.

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